quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
AS ÁGUAS
As chuvas têm castigado a cidade nas últimas semanas. Ruas transformam-se em rios e rios em marés de barro e lixo. São águas furiosas que arrastam e engolem tudo que bobear em sua frente. São águas que rugem nas jaulas de concreto no estrangulamento que chamamos de urbanização.
E não raro populações inteiras constroem suas casas na boca desta cobra grande alimentada pelas chuvas de verão, mudanças climáticas e La Niña. Nossa modernidade supostamente poderosa pára diante desta fera que ajudamos a nos devorar.
A construção do Mundo sobre a Terra, a submissão de Gaia aos nossos caprichos tem três grandes vilões nas cidades:
Impermeabilização
Todo mundo quer viver perto da natureza mas ninguém quer pisar o pé na lama. Então a solução mais fácil e burra já criada foi cobrir enormes extensões de terra com concreto e asfalto. A terra fica com sede de chuva, e as águas não tem para onde correr senão para as ruas. Aí entra o segundo vilão
Lixo
Já compro briga com desconhecidos que fazem das ruas depósitos de lixo. Esse material todo, nas chuvas, entope as bocas-de-lobo e fazem das ruas rios temporários. Essas águas entram nas casas, levam carros e mais lixo que só agrava ainda mais o problema.
No bairro onde moro a situação é de dar úlcera nervosa. Apesar da coleta da prefeitura e dos Postos de Entrega Voluntária (PEV's), existe essa discrepância entre o consumo e o descarte. Na hora de comprar nossa realidade se equipara àquela passada na tevê, mas o lixo é jogado para trás numa atitude infantil e displicente.
Assoreamento
As prefeituras gastam tempo, dinheiro e mão-de-obra para retirar toda a sorte de materiais depositados no leito dos rios. O cidadão comum acredita que tudo se resolve num passe de mágica mais ou menos assim: eu tenho um sofá velho, empurro ele no córrego e ele desaparece.
Ou ao desmatar suas margens, permitindo que a água das chuvas eroda o solo nu e carregue para as margens os sedimentos. Quem passa pelos córregos das grandes cidades pode ver tais efeitos. No Jardim Nova Portugal, a ponte que liga a Avenida Jamil João Zarif com o aeroporto está ameaçada por conta das forças das águas que devoram as margens do Rio Baquirivu.
É uma das maiores causas de morte de rios.
Resgate
Um resgate daquilo que é realmente importante deve ser feito. Nos meios urbanos córrego é sinônimo de água suja, depósito de lixo e doença. Terra é sujeira. Folha é sujeira. Essa terra que chamamos de suja é a matéria-prima do que somos. Somos este pó e esta lama que tudo reveste. Dela viemos e para ela voltaremos apesar de toda ilusão criada sobre este mundo artificial, acarpetado, cimentado e tecnológico.
Logo a salvação do Corpo Maior é o planeta depende primeiro da salvação do corpo menor, que é nossa própria humanidade.
Gostaria de dizer isto de uma maneira que pudesse sentir nos ossos e no sangue.
Sinta isso.
E enquanto sente, ouça Águas de Março na doce voz de Elis Regina!
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
DO OUTRO MUNDO - VERSÃO 2010
Este ano se comemora a 10ª edição do Fórum Social Mundial. Seu objetivo principal sempre foi mostrar as pessoas que Um Outro Mundo é Possível. Não algo distante, abstrato mas sim calcado no aqui e no agora.
Acontecerão eventos em várias partes do mundo mas como brasileiro meu interesse volta-se para Porto Alegre, palco do primeiro encontro. O site do Fórum mostra uma grade de eventos bem diversificada não só nos temas como também nos espaços físicos.
A descentralização do Fórum para outras cidades da Grande Porto Alegre será, sem dúvida, um dos marcos. Acompanhe no site e prestigie, caso more na região e tenha tempo para participar.
A mídia televisiva não costuma dar muita bola, deixando a cargo da net e dos meios de comunicação regionais o encargo de divulgar o evento. Fique ligado!
De minha parte vou dar um pulo lá no final de semana e relatar aqui as experiências e contatos!
sábado, 2 de janeiro de 2010
CONTATO
Fiz certa vez uma viagem de avião. Na volta à capital, olhando pela janela e vendo os diversos quadradinhos verdes que caracterizam as plantações no solo, soube que chegava à São Paulo por conta de dois sinais: uma nuvem escura de fuligem e fumaça, imóvel; e aquela mancha cinza que parecia um cocô de passarinho gigante que impactou contra o solo e se espalhou em todas as direções!
As grandes cidades são uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que nos dão meios de sobreviver ao mundo selvagem também nos oferecem outros perigos. Estes corpos gigantescos, borrões cinzas quando vistos de grandes altitudes, geram em seus habitantes por conta de seu tamanho um mal chamado indiferença.
Para suprimir a vida ao nosso redor é essencial que a coisifiquemos. A coisificação torna tudo indiferente, uma massa amorfa pronta para ser usada segundo o nosso propósito. Então as pessoas deixam de ter nomes e passam a ser recursos humanos. E se fazemos isso com o nosso semelhante, imagine como tratamos a Terra e o restante de seus habitantes?
Perigos e Revoluções
A crença em um conceito onde o Divino e o Material partilham a mesma realidade é revolucionária e perigosa.
Revolucionária porque subverte o pensamento espiritual ocidental que faz justamente esta separação. Perigosa porque nossa sobrevivência hoje, assim como nosso conforto, existem por conta justamente desta separação. Afinal, incendiar a mata são é por fogo nos cabelos da Deusa? E como poluir rios e mares sem nos darmos conta que jogamos estas imundícies em Sua Face? Quando reduzimos nosso contato com o mundo ao mínimo trazemos à tona este germe, que a tudo deixa cinza. Nos separamos da Terra para criarmos o Mundo de concreto e termos segurança.
Metrópolis
Nos metrôs das grandes cidades, somos constantemente alertados que o inimigo pode estar ao lado e por isso devemos guardar nossas bolsas e celulares. Desconectados da Terra e das pessoas, sou ensinado que estou confinado em um espaço pequeno com dez, 20, 30 pessoas que podem ser minhas inimigas em potencial.
Nas ruas a situação é semelhante. Andamos com certa aflição na expectativa de termos um alvo numa cidade de vítimas. Isso é progresso? Será que não é possível criar um mundo pelo qual as pessoas sejam julgadas como boas até que prove o contrário?
Segue um som do REM cujo o clipe e letra refletem um pouquinho deste sentimento de solidão na cidade. Olha só esta letra:
Quando seu dia é longo
E a noite - a noite é solitária,
Quando você tem certeza de que já teve o bastante desta vida,
Continue em frente
Não desista de si mesmo,
Pois todo mundo chora
E todo mundo se machuca, às vezes...
Não bate lá no fundo do âmago de seu ser?
Pena que o vídeo no Youtube não permite a incorporação, mas é só seguir o link!
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