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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

DA COMUNIDADE




Religião é sobretudo viver em comunidade. É através do encontro do Deus que mora em você que descubro a minha própria humanidade. O conhecimento que a Wicca acumulou durante todos estes anos, por exemplo, não nasceu de pessoas morando em cavernas, isoladas, mas daqueles que se juntaram em grupos e mergulharam em suas sociedades nas décadas de 50 a 90. E este conhecimento ainda está em construção.Se não vivemos em comunidade, qual será nosso destino e o da Wicca?


Questão difícil tenho que concordar, uma vez que há um movimento que diz que o Divino deve nos servir, como se fossemo crianças choronas. Há uma geração enorme de pagãos que reduz a religião a um balcão de pedidos pessoais, traduzindo a Wicca como um mero conjunto de Magias & Encantos. Ora, Religião é sacerdócio, e o sacerdócio é o oposto de pedir. É doar-se.

A busca espiritual é solitária em parte. Digo em parte porque toda a nossa vida é solitária a partir do princípio de que toda a dor, alegria, ódio ou desespero são nosso, que nos é impossível dividi-las com alguém. Tanto que, quando morremos, o fazemos sozinhos, mesmo que estejamos cercados de pessoas queridas ou estranhas. O Caminho da Vida é um caminho solitário.


Diagrama de Venn

No entanto, como seres sociais sempre buscamos companhia. O fato de termos nosso mundo particular, nossas buscas como indivíduos não nos impedem de casarmos, termos filhos, amigos, colegas de trabalho, times de futebol para bater uma pelada no fim-de-semana. Caminho da Vida é um grande Diagrama de Venn, rs! A matemática explicando as relações humanas!

Triqueta
Somos seres sociais em diversos aspectos de nossa vida, apesar de caminharmos sozinhos. Mesmo aqui e agora, buscamos este contato ainda que mal e tortamente. Afinal, um ritual wiccano no Second Life não chega perto de um ritual "na real". Um símbolo que resume bem esta quase separação é a triqueta. Estamos separados nas pontas, porém sempre nos unimos naquilo que nos é mais básico.

Eu senti um pouco deste senso de comunidade no Encontro dos 10 anos. É muito legal ver que os avatares do Orkut existem, são de carne e osso com seus corações batendo no peito. Apesar da minha, da sua e de outras caminhadas, é inegável que companheiros de viagem tornam-la mais enriquecedora.

Fica até mais difícil ter posições mais ríspidas com alguém que se conheceu pessoalmente, hão de convir.

É diferente quando estamos face a face com o outro. Ele existe, é uma pessoa. Eu senti. É um pagão como eu. Trinta e cinco mil pessoas estão adicionadas a maior comunidade pagão no Orkut, mas são números. O que conta realmente é o encontro, o beijo e o abraço. É isto que considero importante numa caminha espiritual. Não é assim que fazemos a tantos séculos? Sentirmos uns aos outros?

E quanto mais sentidos estiverem sendo usados, melhor. Visão, audição, olfato, tato, sabor. Rs!


Uma Experiência Pessoal

Em 1997 eu era do corpo diretor de um espaço cultural em minha cidade, Guarulhos. Sempre organizávamos palestras dos mais diversos temas. Nas reuniões periódicas, uma amiga sugeriu como tema do mês seguinte O Sagrada Feminino.

Fui encarregado de trazer os dois palestrantes de São Paulo, pois eles pouco conheciam a região. São eles os sacerdotes Vagner Périco e Claudia Hauy. Não fora uma palestra usual, pois poucas vezes tivemos lotação esgotada. Tanto que eles voltaram a cidade mais duas vezes em um espaço de um ano.

Nesta primeira palestra conheci não só estes dois grandes bruxos, como também três bruxas de minha cidade. Aliás, estou casado com uma delas a nove anos! Somos os padrinhos mágicos da filha de uma delas.

Ainda nos "10 Anos de Bruxaria" reencontrei o Vagner. Em retrospectiva, com minha esposa, minha comadre e afilhada, um nó nasceu em minha garganta. Percebi o quanto a Bruxaria estava inserida em meu cotidiano.

Nós em Guarulhos ainda nos reunimos magicamente a anos, e desde 2003, fazemos o Encontro Sobre Bruxaria em Guarulhos, sempre com o apoio da prefeitura municipal que nos cede um anfiteatro para nos reunirmos.

Longe destas pessoas minha busca espiritual seria pobre, pois poucos livros conseguem traduzir o prazer que é a comunhão entre os pares.

Lógico, nem tudo é paz e amor. Já tivemos brigas titânicas. Com gritos, lágrimas e o escambau. Mas há este laço, isto que nos une. Talvez porque sabemos que somos poucos e raros e então temos que cuidar uns dos outros. Afinal, quando eu morrer, quem fará os ritos fúnebres?

Concordo que sou fruto de um outro tempo. Quando tinha 15, 18, 25 anos, manter contato com outras pessoas em tempo real sem sair de casa era algo fora de meus padrões.

Hoje é possível faze-lo com 31.000 pessoas, dentro de certas limitações, é claro. Mas como disse, sou fruto de outro tempo, em que uma abraço vale mais do que o número 31.000 na tela de LCD do computador.

Já disseram que a caminhada espiritual é solitária. No entanto, isto foi dito para outras pessoas ouvirem. Nada mais natural: por mais ilógico que pareça, precisamos do outro para afirmar nossa própria existência, afirmar ao outro que não precisamos dele para seguir nosso caminho. E do Divino dentro deste outro, talvez a única resposta que temos em nossas preces noturnas.


Saúde, amizade, liberdade


Sergio Thot.

sábado, 22 de novembro de 2008

DA PRESSÃO


Quando estamos em uma situação de grande emoção, nosso corpo libera um hormônio chamado cortisol. Já assistiram "Velozes e Furiosos"? Quando os corredores querem dar um "gás", injetam no combustível um aditivo para fazer a máquina voar pelas ruas. Então, o cortisol é a nossa "nitro". Ele é jogado no sangue para que o corpo nos dê respostas rápidas baseadas na emoção que vivemos. Isto é estresse.


Bater ou correr

Agora veja bem, a gente costuma culpar o corpo por tudo que ocorre, sem lembrar que fazemos parte de um organismo bem maior chamado sociedade. E nela vivemos de maneira refrear nossas emoções, seja por uma questão de civilidade (porque pisaram no nosso pé no ônibus), seja por coação (porque nosso chefe chega gritando, estando ele certo ou não).

Normalmente numa situação dessas a gente expressa uma reação condizente (negociação, luta ou fuga). Mas na maioria das vezes nos calamos por medo de alguma violência, seja verbal, física, social.

Queremos várias coisas, não fazemos nenhuma. É a angústia batendo, e ela abre a porta para o estresse de forma ruim.

Nossa sobrevivência até aqui se deu pelo estresse. Graças a ele a gente não caía das árvores, pressentíamos os perigos e lutávamos quando era para lutar, ou fugíamos quando era para fugir.


Ai, que dor de cabeça!

Nós maquiamos nosso estresse no cotidiano com diversos métodos. Somos moldados não a agir racionalmente, a buscar o diálogo, mas a não reagir a agressões, ou ministrar drogas para ocultar seus sinais. O horário nobre, aquele onde o peão chega cansado da lida, está cheio de maracujinas, dorils, activas. E quem garante que não é nosso estilo de vida que tanto defendemos que justamente está nos matando?



Mudar só sua vida?

Creio que os membros religiosos wiccanos devem orar à noite, agradecendo as proteções e pedindo forças para a manhã seguinte. Mas muito do que precisamos não depende só da gente. Vivemos em sociedade, e esse ela está doente, adoecemos junto. O estresse negativo, aquele que nos trava, causa doença e tal, vem destes desequilíbrios: o interno e o externo.
Acredito que uma vida espiritual ativa é benéfica para ajudar as pessoas não só nos períodos de estresse negativo, mas também no reconhecimento das coisas boas que acontecem e que nem sempre chegamos a agradecer ao Divino.
O melhor é buscar dentro de nós a solução se dentro este alinhamento, esta concórdia. É preciso diagnosticar aonde e como fazer esta cura, primeiro em nós, depois neste imenso corpo que é nossa sociedade. É, eu sei... tarefa das grandes.

Pensemos nisso.


Saúde, amizade, liberdade.

sábado, 15 de novembro de 2008

DOS DRAGÕES





Os dragões, cobras aladas e outros répteis gigantes fazem parte do imaginário popular de quase todos os povos do planeta. Não raro associam-se à forças naturais indomáveis como vulcões, rios, tempestades.
São o caos natural primordial, como Tiamat, a grande serpente Apep, a Serpente de Adão e Eva, Macha Pacha, o dragão sem nome de São Jorge.


Discute-se ainda como povos de todas as partes do globo possuem visões semelhantes sobre estes grandes répteis. Talvez seja pela observação de fósseis de dinossauros. Não me surpreenderia. Diz a lenda que a palavra mamute é de origem asiática, provavelmente chinesa, para descrever esses animais que se pensava serem castores gigantes!


No Brasil também tem Dragão
E não falo dos Dragões da Independência, a guarda real  criada por D. João e que acompanhava D. Pedro I , testemunhando a Declaração da Independência do Brasil em 1822 e que ainda guarda o chefe do governo executivo desta nação.

Nosso dragão é a Cobra Grande, a serpente de Fogo, o Boitatá. Reza a lenda que esta entidade vaga pelas matas e é impiedosa contra caçadores cruéis, que caçam por prazer e não fome. Sua ira também se volta para os que promovem incêndios criminosos. Cruzar com ela devia ser o maior terror dos antigos povos que andavam pelas florestas.


 
Rios Serpenteantes
 
Os rios sempre invocaram imagens de serpentes, com muita propriedade aliás. Suas margens sinuosas são um convite para a contemplação e fascínio ao mesmo tempo que chegar com imprudência pode causar terríveis acidentes. Um rio que conheço e atendia estas características antes de ser sufocado em suas próprias margens é o nosso Rio Grande, o Tietê.

Dias atrás, enquanto observava o conserto de minha bike na oficina, travei conversa com um antigo morador da cidade. Ele me contou das pescarias nas várzeas do rio nos anos 50 e como ele era fértil. "Peixe agora", me confidenciou, "só da cidade de Salto pra cima". Pena.

Vendo fotos antigas do Tietê que recebia provas de regatas e outros esportes, me pergunto onde foi a vida dele, se entre suas atuais margens de concreto, onde o nome de seus córregos vem escritos próximos buracos de onde jorram uma água fétida e escura, resiste ainda alguma vida.

Esta gigantesca serpente acorrentada, que cruza nosso estado e roça com seu corpo imenso Guarulhos e outras cidades, este rio estará morto pelo São Jorge do progresso?

sábado, 8 de novembro de 2008

DA LUTA




"Seu tolo! Ainda não percebeste que minha força é superior a tua?"

Palas Atena, após derrotar Ares na Guerra de Tróia, segundo Homero.


Pelo o que lutamos ou deixamos de lutar em nossa vida diária? Quando avançar e quando recuar? Estas respostas são sempre difíceis, pois há tantas variáveis como há estrelas. A luta é a chama que nos molda e tempera, assim como o fogo faz à espada.

Mas uma boa lâmina não depende de fio ou forja somente. Se seu material for corrompido, que arma teríamos?



São Apenas Negócios


Vivemos em um mundo estranho. No micro, em nosso dia-a-dia, temos que ser cordiais, negociadores. E a cada negócio, nos perdemos um pouco, nos sujamos, nos confundimos com a matéria da qual deveríamos nos apartar. E invetamos explicações para explicar o inexplicável. Explicar que nos vendemos.

No atacado nossa agressividade tem que estar a mostra, seja para conquistar mercados ou nações.
Parece que estamos sempre a serviço do outro quando não queremos, enquanto aquilo que realmente desejamos deve ficar em segundo plano.

Afinal, pelo quê vale lutar?



Morte e Vida, Severina

Em nossa sociedade pós-pós-moderna, não vale apena lutar por nada que o Mercado não sancione. A História está morta, os Sonhos estão mortos, as Utopias estão mortas. O que nos sobrou foi o Desejo e o Poder de Compra. No entanto isto não responde a anseios mais profundos e íntimos. E nos drogamos com substâncias lícitas e ilícitas para dominar este vulcão que insiste em explodir e nos expor.

E usamos máscaras há civilização e ordem, enquanto nos subterrâneos impera a Lei do Cão.
Nos campos e nas cidades somos submetidos, nos submetemos e submetemos outros por conta desta ilusão em massa.

Nos achamos sozinhos nesta parada. E achamos que a luta não vale a pena. E achamos que aquele que levanta a cabeça e diz "Vem por aqui" é louco, precisando ser isolado. E a cada negociata nosso resgate, e o resgate de nossos sonhos, fica cada vez mais caro.



De pé, De pé

No meio de tantos mártires anônimos não posso pedir que lute por algo, ainda que aquilo que se pode perder seja uma vida detestável. Mas posso pedir uma reflexão mais profunda e menos pessimista sobre o mundo e as coisas antes que as botas marchem pelas ruas.


E talvez uma pedrada no muro quando ninguém estiver olhando...