Religião é sobretudo viver em comunidade. É através do encontro do Deus que mora em você que descubro a minha própria humanidade. O conhecimento que a Wicca acumulou durante todos estes anos, por exemplo, não nasceu de pessoas morando em cavernas, isoladas, mas daqueles que se juntaram em grupos e mergulharam em suas sociedades nas décadas de 50 a 90. E este conhecimento ainda está em construção.Se não vivemos em comunidade, qual será nosso destino e o da Wicca?
Questão difícil tenho que concordar, uma vez que há um movimento que diz que o Divino deve nos servir, como se fossemo crianças choronas. Há uma geração enorme de pagãos que reduz a religião a um balcão de pedidos pessoais, traduzindo a Wicca como um mero conjunto de Magias & Encantos. Ora, Religião é sacerdócio, e o sacerdócio é o oposto de pedir. É doar-se.
A busca espiritual é solitária em parte. Digo em parte porque toda a nossa vida é solitária a partir do princípio de que toda a dor, alegria, ódio ou desespero são nosso, que nos é impossível dividi-las com alguém. Tanto que, quando morremos, o fazemos sozinhos, mesmo que estejamos cercados de pessoas queridas ou estranhas. O Caminho da Vida é um caminho solitário.
Diagrama de Venn
No entanto, como seres sociais sempre buscamos companhia. O fato de termos nosso mundo particular, nossas buscas como indivíduos não nos impedem de casarmos, termos filhos, amigos, colegas de trabalho, times de futebol para bater uma pelada no fim-de-semana. Caminho da Vida é um grande Diagrama de Venn, rs! A matemática explicando as relações humanas!
Triqueta |
Somos seres sociais em diversos aspectos de nossa vida, apesar de caminharmos sozinhos. Mesmo aqui e agora, buscamos este contato ainda que mal e tortamente. Afinal, um ritual wiccano no Second Life não chega perto de um ritual "na real". Um símbolo que resume bem esta quase separação é a triqueta. Estamos separados nas pontas, porém sempre nos unimos naquilo que nos é mais básico.
Eu senti um pouco deste senso de comunidade no Encontro dos 10 anos. É muito legal ver que os avatares do Orkut existem, são de carne e osso com seus corações batendo no peito. Apesar da minha, da sua e de outras caminhadas, é inegável que companheiros de viagem tornam-la mais enriquecedora.
Fica até mais difícil ter posições mais ríspidas com alguém que se conheceu pessoalmente, hão de convir.
É diferente quando estamos face a face com o outro. Ele existe, é uma pessoa. Eu senti. É um pagão como eu. Trinta e cinco mil pessoas estão adicionadas a maior comunidade pagão no Orkut, mas são números. O que conta realmente é o encontro, o beijo e o abraço. É isto que considero importante numa caminha espiritual. Não é assim que fazemos a tantos séculos? Sentirmos uns aos outros?
E quanto mais sentidos estiverem sendo usados, melhor. Visão, audição, olfato, tato, sabor. Rs!
Uma Experiência Pessoal
Em 1997 eu era do corpo diretor de um espaço cultural em minha cidade, Guarulhos. Sempre organizávamos palestras dos mais diversos temas. Nas reuniões periódicas, uma amiga sugeriu como tema do mês seguinte O Sagrada Feminino.
Fui encarregado de trazer os dois palestrantes de São Paulo, pois eles pouco conheciam a região. São eles os sacerdotes Vagner Périco e Claudia Hauy. Não fora uma palestra usual, pois poucas vezes tivemos lotação esgotada. Tanto que eles voltaram a cidade mais duas vezes em um espaço de um ano.
Nesta primeira palestra conheci não só estes dois grandes bruxos, como também três bruxas de minha cidade. Aliás, estou casado com uma delas a nove anos! Somos os padrinhos mágicos da filha de uma delas.
Ainda nos "10 Anos de Bruxaria" reencontrei o Vagner. Em retrospectiva, com minha esposa, minha comadre e afilhada, um nó nasceu em minha garganta. Percebi o quanto a Bruxaria estava inserida em meu cotidiano.
Nós em Guarulhos ainda nos reunimos magicamente a anos, e desde 2003, fazemos o Encontro Sobre Bruxaria em Guarulhos, sempre com o apoio da prefeitura municipal que nos cede um anfiteatro para nos reunirmos.
Longe destas pessoas minha busca espiritual seria pobre, pois poucos livros conseguem traduzir o prazer que é a comunhão entre os pares.
Lógico, nem tudo é paz e amor. Já tivemos brigas titânicas. Com gritos, lágrimas e o escambau. Mas há este laço, isto que nos une. Talvez porque sabemos que somos poucos e raros e então temos que cuidar uns dos outros. Afinal, quando eu morrer, quem fará os ritos fúnebres?
Concordo que sou fruto de um outro tempo. Quando tinha 15, 18, 25 anos, manter contato com outras pessoas em tempo real sem sair de casa era algo fora de meus padrões.
Hoje é possível faze-lo com 31.000 pessoas, dentro de certas limitações, é claro. Mas como disse, sou fruto de outro tempo, em que uma abraço vale mais do que o número 31.000 na tela de LCD do computador.
Já disseram que a caminhada espiritual é solitária. No entanto, isto foi dito para outras pessoas ouvirem. Nada mais natural: por mais ilógico que pareça, precisamos do outro para afirmar nossa própria existência, afirmar ao outro que não precisamos dele para seguir nosso caminho. E do Divino dentro deste outro, talvez a única resposta que temos em nossas preces noturnas.
Saúde, amizade, liberdade
Sergio Thot.
Saúde, amizade, liberdade
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