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domingo, 23 de março de 2008

SOBRE NÓS, QUE NOS AMÁVAMOS TANTO...





Em 2005, quando a Paula me convidou para participar do grupo Semente Sagrada, cuja a idéia ainda estava fresca e nem este logo existia, animei-me. Sempre acreditei que nós não somos indivíduos, mas sócios de uma mesma realidade, que vivemos em uma sociedade. Motivado por este pensamento participei de grêmios, associações comunitárias, espaços culturais, sindicatos.
Nestes locais aprendi muito sobre as pessoas e suas formas de organização, e me ensinaram que há dois tipos de membros: os que pisam no barro e os que não pisam. "Pisar no barro" é uma expressão que indica se a pessoa em questão sai da sede, da sala de reuniões, do conforto de seu computador e de sua vida diária para realizar algo em nome do coletivo lá fora, no mundo real.


E agora, o esporte


Então aprendi a olhar as coisas de outra forma. Durante as assembléias estudantis, por exemplo, enquanto os alunos dividiam-se em grupos e gritavam palavras de ordem uns contra os outros como se fossem adversários (como se não tivessem um inimigo em comum), nos bastidores seus líderes já haviam acertado os acordos.
Se havia um fórum adequado para isto, por que a grande massa é retirada do processo? Logo cedo aprendi é possível usar em situações uma cortina de fumaça e escândalos encobrir nossos olhos e não nos deixar ver o real. No telejornalismo, quando há notícias pesadas, não raro entra na seqüência delas a chamada da sessão esportiva afim de desvirtuar o tema da mente, torna-la distante. Escândalo e esquecimento, lembrem-se desta fórmula.


Gente que faz


O gosto geral pelo escândalo faz a alegria de muita gente que deseja chamar a atenção primeiro e propor depois. Nossa longa história política é uma prova cabal disto. No entanto, as pessoas que pisam o barro não aparecem nas manchetes. Enquanto do sofá as pessoas brigam com o monitor de TV, quem faz continua fazendo com pouca ou nenhuma ajuda das pessoas que se dizem indignadas com o rumo das coisas. Atente para o número de queixas que se ouve todos os dias, seja no seu emprego, em sua casa, no ônibus. E algum dia de muita coragem, peça para o reclamante propor soluções.
A probabilidade de ouvir um "ah, isto não tem mais jeito" é muito boa. Há muitas organizações e pessoas que se oferecem para auxiliar a sociedade em seu possível (às vezes até no impossível) e que necessitam de ajuda, muita ajuda. Fazem o mínimo por só possuírem o mínimo para continuarem suas atividades. E somos uma nação de 180 milhões, onde boa parte não conta com o necessário para viver. Por que não se levantam, por que não despertam?


Quanto pior, melhor!


Esta sempre foi a pergunta que não queria calar. Na UGES, no MTST, no Espaço Cultural Florestan Fernades... Mesmo no Semente Sagrada nós nos perguntávamos isto. E a resposta é estupidamente simples: as pessoas em geral só lutam por ganhos rápidos, ou na resolução de problemas imediatos. Uma vez cessada a necessidade, retornam ao su estado de repouso.
Ora, então é só criar e administrar um problema para dominar as pessoas então! E lógico, possuir ou aparentar ter a solução. Daí é só ser o pastor das ovelhas! Uma vez que nos damos conta disto, há um dilema moral em questão: esclarecer ou dominar.


Medo


O domínio se faz pelo medo, pela ignorância, pela obediência cega, por meias palavras, pela ironia, pelo sarcasmo, pela voz de comando, pela exposição ao ridículo, pela autoexaltação, pelo grito, pela fome de poder, pela arrogancia, pela quebradeira. Nunca a educação usará destes expedientes pois o aprendizado se faz pela ação-reflexão-nova ação. O poder nos força a engolir, enquanto a educação nos convida a absorver nossa realidade.
O domínio, o poder-sobre usa do medo principalmente para manter-se no poder. Faz-nos ter medo do outro, do desconhecido e se mostra não como companheiro, mas um Grande Pai, detentor de todas as respostas e defensor dos fracos. Para tanto é preciso eleger alguém como Devastador, Destruidor, Mentiroso.


Fogueiras


Vocês lembram, não? Há algo em nós que estava lá, que ardeu nas fogueiras sem que ao menos tivéssemos a defesa necessária em um fórum adequado. E todos os que se pronunciavam à nosso favor estavam dominados, eram usados. E iam para a fogueira também.
O medo do outro já queimou muitos. E as chamas ainda ardem.


Grupo?


O que é um grupo? Não é seu registro em qualquer orgão, ou sua existência em um site, ou um prédio que o caracterizam. É como perguntar o que é uma família. Um grupo é o laço que os une. Este laço pode ser de interesses, ou de amores. No Semente, tínhamos os dois.
Depois do convite feito, passamos a trabalhar segundo nossas convicções e interesses. Mas como era de se esperar quando se convive muito tempo com poucas pessoas, nos gostamos uns dos outros (Ia escrever "aprendemos a gostar", mas isto não se aprende ou força. Nasce ou não).

Dividíamos o pão, o suco, o vinho, o espaço sagrado, o beijo e o abraço.
O Semente nascera como organização neopagã ambientalista, mas se tornara também um local de beber. Beber de algo que nos permitia exercer nossas atividades em nossa vida cotidiana. Assim como uma mãe não amamenta por ser um dever, nossos esforços coletivos e individuais não eram apenas uma questão ecológica. Pois se assim o fosse, não resistiríamos por muito tempo, dada a enormidade do projeto e da escassez de apoio. Seguíamos porque amávamos e amamos o que fazemos, e uns aos outros. O amor sempre foi nossa cereja do bolo.


Papel & realidade


Sempre acreditei, como pessoa sensata que acho que sou, que a realidade define nossos passos. Em dado momento de nossa caminhada dividimos algumas tarefas e estabelecemos algumas diretrizes, ação necessária para fazer do grupo uma entidade jurídica reconhecida.
Mas a realidade define nossos passos, e isto nunca concretizou-se por questões várias como recursos e principalmente, pessoas engajadas. Contatamos tantas pessoas, mas seu número flutuava bastante, seja nas reuniões, nos encontros anuais, nos rituais públicos.

Esta era nossa realidade.
Aos poucos, mesmo os membros mais antigos afastaram-se, pois a vida chamava para outras batalhas, e era preciso definir aonde concentrar forças. Havia o papel e a realidade. Havia a lei e o amor, e quem me conhece sabe que sempre fui um chato para isto, mas no Semente (e na vida em geral) obtive novas lições. Como reger pelo papel pessoas de quem eu gostava em um grupo tão reduzido?


Alguém tem que ficar


Como membro mais antigo, fiquei a cargo de manter viva a chama. A realidade define os passos...
Com a ajuda de dois membros mais novos, durante o ano de 2007, enquanto os outros lutavam suas batalhas e eu trabalhava (no trabalho, lutando contra a mentalidade de desperdício de insumos como querosene, óleo hidráulico e afins para evitar que parassem na rede pluvial, e recebendo respostas como "E daí, a firma não é sua)", estudava em duas escolas (inglês técnico e mecânica para aviação), "ralava" para passar na prova da ANAC (passei!!!!, e vem mais três por aí!!!), auxiliava meus amigos do Educafro nos finais de semana, administrava as atividades do Semente Sagrada da melhor maneira.

Os que se afastaram do Semente, quando suas atividades assim permitiam, participavam dos rituais abertos, mas muitos não vimos por meses. Mas não precisava vê-los para saber que nossos princípios regiam seu dia-a-dia como regem o meu.
Esperava que, à medida que a corda se afrouxasse em suas vidas, retomassem seus lugares ao mesmo tempo que através de meus textos, combinado o melhor de nós que a religiosidade e a defesa ambiental, sensibilizar e educar minimamente os membros virtuais mais novos desta comunidade. Meu foco sempre fora este, e o amor pelas pessoas e por aquilo que o grupo representa em suas vidas era meu motor. Nunca questionei, acho, a Bia e a Anne, mas creio ser este combustível de suas vidas também. Afinal, que poderes tenho eu sobre as pessoas?


A realidade define os passos...


Recentemente recebi um comunicado do Regis pedindo a comunidade de volta. Ficara feliz com o contato, pois eu não via falara sobre o Semente Sagrada desde sua partida, meses atrás.
Mas havia algo errado... Ele não fora amistoso comigo, foi quase uma ordem. Estranhei o fato, pois não era assim que nos tratávamos. Coloquei-o como mediador movido pelo instinto. Havia algo errado... Pretendia fazer como sempre fazemos: sentar para conversar, todos juntos, até porque também devo respostas às meninas, mais até do que a ele, uma vez que elas estão comigo desde então. Foi quando começaram as postagens.

Alegando "estática ou inércia" na comunidade, chegara de forma abrupta tanto aqui como em outras comunas. Só que lá suas palavras não foram tão bem acolhidas...
Não entendi bem o termo inércia, se era no mundo real ou no virtual, se era em nível individual ou coletivo... No virtual, obviamente, só se pode escrever... e apesar das minhas atividades minhas postagens são regulares. Aliás, por pudor até, evito colocar muita coisa que penso para não centralizar a palavra sobre mim e estimular outros a escreverem também. Lembre: no mundo virtual do Orkut só é possível escrever. E o Orkut aceita tudo.

Confesso que o número de pessoas participando das atividades mínimas do Semente é bastante reduzido comparado ao número de membros virtuais. Mas nada diferente de nossa realidade, não? Os membros mais antigos devem lembrar de noites varadas a recortar convites, preencher à mão centenas de cartas, colar e selar, e rodar a cidade para coloca-las à tempo no Correio. Se todas as pessoas contactadas viessem... Mas sempre ia algo de nós nelas, algo de profundo, e sei que enquanto durou esta forma de comunicação, que algo se alterou na mente dos que as receberam.


Como sei?


Além da luta pela mudança de mentalidade que empreendo onde trabalho, sei que Paula faz o mesmo em sua escola de educação infantil, que Cibele sensibiliza suas crianças não só pela música, mostrando-as uma nova forma de ver a realidade, mas também pela confecção de brinquedos a partir de sucata. Anne em sua casa realiza compostagem no plantio de hortaliças e Bia provoca mudanças no enxergar dos animais que chamamos de alimento. São pessoas profundamente envolvidas com a educação e ação, onde o Semente contribui com algo nestes anos.



É curioso


Tudo o que é preciso fazer e sentar e conversar. Mas há quase dois meses vejo pessoas repetindo "vamos fazer, vamos fazer", sendo que coisas já são feitas. Não do modo que queriam, é verdade. E nem do modo que pensei, tenho que admitir, mas a realidade determina os passos...
Não atendo a provocações. Quem me conhece sabe que, para eu fazer algo, basta pedir. No entanto, depois de 3 anos de vida virtual, meu primeiro ataque no Orkut veio de pessoas de meu círculo de amizades. Gente que, como a Libéria, mora a duas quadras de minha casa e mais de uma vez topei na rua enquanto ia ao mercado comprar café da manhã. Nosso Grupo sempre conversou, e nossas conversas são no olho-no-olho. Por que tudo se modificara?


Sarcasmo, ironia


Respeitando a história destas pessoas no Grupo, as vi dilapidando não só o respeito que o Semente ganhou nestes anos, como sua amizade com os demais membros da comunidade virtual e dos membros do grupo.
A satisfação de pertencer a algo puro se desfez. Agora éramos iguais a todos os outros. A chama se apagara e eu fiquei no escuro.

E no escuro estou até agora.

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