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sexta-feira, 26 de junho de 2009

DA LUZ




Da parte grossa do ovo quebrado,
Ergeu-se o excelso arco do céu, E então da gema, a parte de cima, O brilho ardente do Sol tornou-se.(...) Kalevala: A Terra dos Heróis - Tradução de W.F. Kirby.



Desde a primeira ferramenta criada pelo homem, a soma de conhecimento chamada de tecnologia facilitou-nos a vida. Quando queremos que um ambiente se ilumine, basta tocar em um interruptor. Se falta energia, temos hoje o recurso de acender um fósforo ou isqueiro e queimar parafina industrializada.

Imagina a vida de quem vivia somente com a luz das estrelas e da Lua enquanto o sol rumava para outras terras? Tal como a água, para nós é fácil ter o que precisamos. Basta um clique e está tudo a mão. No entanto, quando em outros tempos e outras terras, quando éramos camponeses, os perigos reais e irreais se escondiam no farfalhar das folhas na floresta, na boca dos lobos-guarás e das corujas.

Faltou luz em casa devido as chuvas de Inverno. Mas velas são abundantes aqui e não ficamos totalmente às escuras. E confesso que foi até interessante jantar sob seu brilho tênue. O andar pela casa à noite foi uma experiência interessante. É um espaço conhecido mas as novas sombras mudaram as perspectivas de espaços e objetos. O fato me trouxe lembranças de uma caminhada às escuras na Mata Atlântica, tempos atrás.

Acampando com amigos durante um feriado prolongado, e retornando a minha barraca após um passeio solitário no fim da tarde, senti o medo ancestral. Acostumado com as facilidades urbanas, com os postes com luzes e faróis dos carros velozes, a escuridão me engoliu em cheio. A trilha era conhecida durante o dia, mas a noite a Lua prega peças.

Onde eu pensava ver buracos eram montes. E aonde eu buscava firmeza da terra eu tropeçava. O vento brincava ao meu redor e tinha a nítida impressão que me seguiam dentro da mata, de ambos os lados do caminho. Eu parava para escutar e firmar a visão, mas só via o prateado das folhas próximas.

É lógico que o coração baterá forte e a garganta apertará nestas horas. Com as lanternas e fogueiras a cinco minutos de caminhada ainda, tudo era estranho e hostil. Tão pouco tempo em uma calçada iluminada é besteira, mas ali foi uma eternidade. Não é à toa que a Iniciação em vários círculos mágicos envolvem a restrição de sentidos como a visão.

Nossa Psiquê fica totalmente vulnerável e aberta a qualquer experiência que ocorra a nossa volta. Se há algo de racional em nós, diante do desconhecido, esse algo é o primeiro a correr!!! É o mergulho da Deusa nos domínios de Perséfone.

De volta a segurança do fogo e tomando minha sopa, debaixo do cobertor, achei tudo engraçado, logicamente. Ri por dentro e e esqueci o assunto em meio a outras conversas. O tempo passa. E a experiência somente renasceu com a falta da luz em casa e a busca das velas e fósforos, diante do medo ancestral da Escuridão.

Distraídos pelas luzes da cidade e pela fogueira moderna em forma de televisão, não temos tempo suficiente para confrontar-nos conosco e nossos medos. De certo modo vivemos como as mariposas que se batem nas lâmpadas.

Até que a Realidade vem e apaga a luz.


Para você, caro leitor, um som da MPB que simboliza o casamento da luz do Sol com as profundezas da Terra...



Sergio Thot

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