sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
DO SER
"Eu sou a Deusa de tudo o que vive"
Trecho d'A Carga da Deusa, de Doreen Valient
O que é Ser? Como é que eu sei que eu existo? Existir é ter participação no mundo físico, no mundo concreto, mas o Ser vai além disso. O Ser mora no campo das idéias, do abstrato. Ser é ter, mas também Ser é Fazer.
A não-percepção disso configura um obstáculo que atravessamos e que, quando alcançado, possibilita sermos os filhos maduros da Criação.
No Passado
Segundo a obra Mitos Primais, da escritora Barbara C. Sproul, a tomada da consciência é um processo doloroso, tanto física quanto intelectualmente e isso fica evidente após o estudo das mais variadas nuances culturais humanas. Em boa parte delas existe a descrição de uma gênese impecável feita por um Deus/ Deusa/ Deuses em geral bons, onde a primeira fase da raça humana vive uma pré-existência pura e perfeita. Mas algo realiza uma perturbação na ordem em determinado momento e um herói (ou vilão, dependendo de quem olha) provoca a ira Divina.
Prometeu é punido por Zeus a ter seu fígado devorado por um pássaro devido ao roubo que perpetrou quando se apossou do fogo dos raios divinos para traze-lo aos seres humanos.
Um mito muito conhecido nosso diz que o nascimento da consciência humana se deu quando o primeiro homem comeu do Fruto do Conhecimento e tornou-se mortal, ou tomou consciência de que podia morrer, algo que não se pode dizer que a maioria dos animais tenham.
Ou mito do Deus P'an Ku, venerado no sul da China, cujo o corpo sacrificado é usado para construir o universo e marca o fim da Era de Ouro da humanidade. Tudo que é morto torna-se pai, já disse alguém.
Parece que sempre que despertamos para a realidade perdemos algo. Perdemos de fato a inocência. Mas o sacrifício feito nos capacita a Ter e a Fazer coisas.
Ter
Pela primeira vez, quando despertamos do caos para a realidade, temos a possibilidade de ver o Outro, o Restante. Recuamos. E este passo para trás nos possibilita vê-lo por inteiro, nomea-lo e, ao lhe dar um nome eu acabo possuindo-o. Este sentimento de posse também se volta para nós e a primeira coisa que agarramos é a nossa lembrança, a nossa história. Possuir uma história significa que vivemos há algum tempo e a cada dia temos maior posse sobre nós mesmos.
Ter história nos confere humanidade. Quando alguém tenta nos destruir fisicamente o faz primeiramente em sua própria cabeça negando-nos nossa humanidade, nossa história. Somos coisificados, rotulados, perdemos nosso nome próprio. Então eu não sou mais o Sergio, mas sou negro, bruxo, são-paulino. E, dependendo da situação, estes rótulos bastam para que outra pessoa encontre nisso uma desculpa para me aniquilar.
Ter história garante a mim mesmo que eu existo. E, ao garantir isso, eu sei que a minha vida vale, entre outras coisas, ser defendida.
Fazer
Se o Ter corresponde ao campo do abstrato, Fazer me coloca no concreto pois eu transformo o mundo ao meu redor, o mesmo mundo que compartilho com outras pessoas. Pois eu não posso viver exclusivamente no campo virtual, mas preciso partir para o real a fim de que aquilo que eu imaginei realmente exista.
Parece óbvio isso que eu escrevi mas não o é para muita gente, principalmente nesta geração internética. No mundo pasteurizado da Web, onde não há pó, lama ou arestas cortantes, é fácil achar conforto mental. Basta navegar pela rede.
Mas o termo navegar é emprestado de uma situação real onde se ia de um ponto ao outro a fim de obter um ganho específico. Ficar ao sabor do vento não é algo recomendável quando se está em mar aberto e se tem família em terra para sustentar. Fora que o ambiente é altamente instável. Se bruxo, por exemplo.
Muitos bruxos hoje querem ficar apenas no virtual, escondidos. Mas a obtenção de conhecimento da Religião não advém só de sites e blogs, mas também da experiência no mundo real, no convívio com as pessoas e de como tudo isso nos afeta, nos toca.
Se eu não faço eu não sou. É impossível ser motorista sem dirigir regularmente, ou ser padeiro sem fazer pão, ou ser pedreiro sem construir casas. É a partir da ação sobre o mundo real que o ser que tem história se completa.
Finitude
Há um elemento que acompanha a tomada de consciência do Ser: mesmo desperto ele está sujeito as leis naturais. E é aí em que a percepção do Eu é um fardo, pois saber que existo implica em saber que um dia eu não existirei mais. O que gera angústia e o desejo profundo em retornar ao estado de não-Ser.
Afinal, para quê saber que estou vivo para descobrir logo em seguida que vou morrer? E é aí que entram todas as religiões: para oferecer à Humanidade um caminho que vá no sentido contrário ao do desespero.
Uma vez reencontrada a paz através da aceitação das regras naturais, estamos preparados para viver nossa vida de maneira completa, tendo e realizando história. Até que enfim chegue o nosso momento de mergulhar novamente no Útero da Terra.
Saúde, amizade, Liberdade
S. Thot
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