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domingo, 23 de janeiro de 2011

LIBERDADE DE PRESENTE

Por esses dias visitei o Museu Afro-Brasil, que se localiza dentro do Parque do Ibirapuera. Fora a primeira vez que fazia tal viagem cultural e realmente fiquei sem palavras. Não só pelas dimensões do museu, mas também pela diversidade de nossa história enquanto povo. Apesar do título, arrisco dizer que o acervo é bastante democrático e mereceria o nome de Museu do Povo Brasileiro. Polêmicas à parte, quero comentar com vocês coisas que senti enquanto caminhava pelas galerias.

Como pessoa de etnia negra que sou, visitar o museu serviu como parte da consolidação de minha identidade cultural, pois sou filho de uma Diáspora que durou 200 anos entre várias regiões africanas e o Brasil, e que terminou se maneira irresponsável. Há uma certa dívida que não pode ser cobrada em dinheiro ou pedido oficial de desculpas. É um vazio que só Thot, Senhor do Tempo, saberá curar.


Olhando os guilhões e correntes, as gravuras, os anúncios de época de negros fugidos, fiz um link com outro grupo que sofreu perseguições por ser o que é: os bruxos. Também sou um filho desta cultura que adotei no final da década de 90 e a comparação para fim foi óbvia e inevitável.


Liberdade de Presente 

Hoje em nosso país temos a liberdade de nos expressar de maneira livre mas nem sempre foi assim. As chamas da Inquisição também aportaram nesta terra trazendo outras formas de violência, como nos fala o historiador Rainer Sousa, no Mundo Educação:

"Em vários documentos de época, possuímos o registro de algumas situações onde homens e mulheres apelavam para os saberes místicos de alguns feiticeiros. Geralmente, essa opção era ativada quando os remédios e ações litúrgicas cristãs não surtiam o esperado efeito em alguém que sofria com alguma enfermidade física ou emocional. Muitas vezes, até mesmo alguns padres eram denunciados aos seus superiores por recomendar a ação desse tipo de prática religiosa.

"Para frear esse costume, os dirigentes da Igreja fizeram o requerimento das chamadas visitações do Tribunal do Santo Oficio. Essa instituição, criada nos fins da Idade Média, tinha por função combater qualquer tipo de manifestação que representasse uma ameaça contra a hegemonia dogmática católica. Em 1591, o clérigo Heitor Furtado Mendonça foi o primeiro a estabelecer essas visitações que investigavam os casos de heresia ocorridos no Brasil."
 

Hoje o máximo da perseguição que as bruxas sofrem hoje é muitas vezes o corte da mesada da mamãe.

Em minha visita ao Museu Afro-Brasil, parei diante de correntes e enforcadores penduradas na parede. O sol da tarde iluminava o corredor enquanto crianças passavam entre risos e brincadeiras, alheias aos instrumentos de dor ali presentes. Será que será tudo isso é coisa do passado mesmo? No Brasil, talvez sim. Em alguns países as perseguições continuam, pelos mais variados motivos e meios. A escravidão também. 

As pessoas negras e as pessoas bruxas desta terra tiveram perseguidores, períodos e motivações diferentes.  Mas a dor e o medo das pessoas não são iguais a todos? Nossa liberdade é um presente dado por centenas de pessoas que viveram, soluçaram, gritaram e morreram por serem o que são. Somos gratos por isso?

Convido vocês a visitarem o Museu Afro-Brasil, se vierem a São Paulo, e responder a esta e outras perguntas.

Saúde, amizade, liberdade.

Sergio Thot

Ps: segue a Dispara, com Jair Rodrigues. Os mais mocinhos nem vão assistir um vídeo em preto e branco, mas tinha que colocar este material, pois a época em que ele foi gravado é embremática, haja visto a presença de políciais em cima do palco e na platéia. Em 60's, as bruxas a serem caçadas eram outras.

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