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quinta-feira, 16 de outubro de 2008

DO MACHO-ALFA




Esses dias, indo para São Paulo, me deparei com alguns membros da torcida Independente do São Paulo Futebol Clube, um time de primeira divisão em meu país. Um dos rapazes desta torcida organizada exibia uma camiseta onde o santo São Paulo, usado como símbolo da organização, estava monstruosamente representado (repito, MONSTRUOSAMENTE). Para as torcidas de futebol nos dias de hoje é visível que demonstrar habilidades no esporte ficou em segundo plano.



Anos atrás vi a mesma representação do santo levantando sua túnica e deixando as pernas livres para melhor dominar a bola. Sua face demonstrava alegria e irreverência, em contraste com a imagem forte, musculosa, sem qualquer simbolo que o relacione ao futebol. Era gritante a desproporcionalidade não só dos músculos em relação a realidade, mas até a "idade" do personagem, que é um velhinho. Me atento ao sorriso. Não um sorriso despreocupado da imagem de anos atrás, mas uma imagem ameaçadora, sádica, violenta.

Ainda temos na mente o padrão "Rambo" sobre homem, sem atentar que uma pessoa pode ser máscula ser ter que coçar o saco, falar alto e cuspir no chão. Um Ares de espada sempre ereta, pronto para luta.


Pensamentos de conquistas não são parte de um ideal pagão. Ora, quem lida com a terra não tem tempo para guerrear: ou é o arado ou a espada. No campo de batalha só se colhem corpos mutilados. Como pagãos, qual é nossa escolha mais óbvia?



É preciso paz para plantar

Ares é diferente, por exemplo, de Dionísio. Esta divindade do vegetal, do vinho e do êxtase, pouco se preocupa com as lutas, ou em "andar na calçada". Seu culto nos leva a quebrar padrões sólidos, a rever parâmetros, e a gozar um pouco a vida, nós que trabalhamos sol a sol desde o início dos tempos.

Dionísio não é um Deus da conquista, ao menos não no modo usual do termo. Nascido de uma das famosas escapadas de Zeus e, portanto, ganhador do rancor justo de Hera, por esta foi tornado louco por vingança contra o marido pulador de cerca, e vagou desvairado pelo mundo à fora.

Sob a proteção da Deusa Cibele, é curado de sua insanidade. Depois é instruído à cultivar vinhedos e de seu fruto extrair a bebida sagrada. Atravessando a Ásia, ensina o cultivo da uva (e, porque não dizer, de outros frutos também?). As imagens que se fazem deste Deus (um velho bonachão, uma criança ou um jovem sorridente) não mostram qualquer imagem de Poder Sobre, de tentativa de dominar outras pessoas ou de prazer sádico.

O Dionísio/Baco representado pelas telas de da Vinci, falando em termos sensuais, tem até a cara daqueles que levam as mulheres ao êxtase muitas e muitas vezes, e que retira daí seu próprio prazer.


Sangue Latino

Agora um exemplo próximo de como é interessante a imagem que o feminino faz dos homens. Uma amiga minha trocou de namorado. O antigo seguia o perfil "macho latino". O novo é mais sutil, delicado. Quando saíram de balada, ela estranhou que seu novo par soubesse dançar, mexer o corpo. O antigo era mais turrão e ficava de canto, fazendo pose.
No início ela confessara que estranhou, mas depois viu que as idéias que se fazem do homem quase sempre são estereotipadas. Inteligente e sensível, seu novo companheiro destoa daquilo que sempre se indicou como provedor, defensor e líder.


Sim, podemos ser machos e ainda sim, sermos fofos, rs!


Na vida diária

Vivemos em uma nação parcialmente democrática. Parcialmente porque ela ainda é representativa, e não direta como eu gostaria. Trocando em letras miúdas, elegemos pessoas que vão escolher para nós aquilo que é prioritário para nossa cidade, estado e país. E a democracia termina aí.

No ganhar da vida, no emprego, nós não escolhemos nossos líderes, coordenadores, supervisores, diretores. Vivemos em uma hierarquia, onde ouço abertamente Manda Quem Pode e Obedece Quem Tem Juízo. São herdeiros culturais de um mundo que está se deteriorando.

Apesar de nossa civilização de 10.000 anos, dos carros elétricos, do Iphone, da Internet, ainda vivemos sob a espada do macho-alfa, que detém poderes virtuais ou mesmo reais de vida ou morte sobre nós. E com nosso consentimento!!!

Isto até a sua queda inevitável, quando muitos machos-beta, submetidos, lutam como crocodilos do Nilo em busca do topo da pirâmide social. Onde ainda há regras de ascensão e queda, as coisas são suavizadas pelas leis e estatutos. Onde o Estado ou o Mercado não têm domínio, ganha quem saca primeiro e tem mais balas no tambor, como demonstram os confrontos nas favelas cariocas.

Se assim tratamos as pessoas, imaginem como tratamos a natureza da qual extraímos nosso sustento? Não raro abuso ambiental é precedido pelo abuso humano.


Um novo tempo

O masculino que submete hoje vive um momento de crise em sua base, uma vez que um número pequeno mais crescente de mulheres já não mais aceitam o sonho romântico de casar. Essas mulheres trabalham fora, possuem mais apoio jurídico e psicológico que suas mães tiveram. Muitas disputam o topo com os homens. Muitas criam sozinhas a sua prole, seja por opção ou por ausência do parceiro (divórcio, abandono, morte).

Ao mesmo tempo surge este novo tipo humano masculino, que busca as crianças da escola, trabalha em parceria horizontal com seus colegas, lava a louça e pergunta com sinceridade em casa "como foi seu dia, amor"? E não tem vergonha disso. Dionísio atende perfeitamente a este tipo homem que não precisa empunhar uma espada para persuadir as pessoas, para lidera-las.

Isto se estenderá para outras partes da vida, seja por bem ou por mal. Nossas relações, graças a facilidade de comunicação, nunca mais serão as mesmas.

Mas se for preciso ir à guerra, que eu tenha um líder que valha a pena ser seguido!


Hmmm... talvez você queira ler também algo sobre as Pressões da Vida. É um texto interessante é que complementa este aqui.


Saúde, amizade, liberdade.


Sergio Thot. 



4 comentários:

  1. Excelente texto... A sociedade pensa que se 'modernizou', mas em alguns conceitos continua ainda mais antiga do que nunca, né?!
    Beijosss

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  2. Acho que 10.000 anos de história humana são pouco para a mudança de velhos hábitos.

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  3. DENNIS (Nome que provém de Dionísio) disse:

    Você fala sobre Dionísio e Apolo, mas não tem como não lembrar também de Procusto - O leito de Procusto. Abç

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  4. Procusto! Sabia que não conhecia este personagem nem a sua cama? Graças à sua dica o descobri! E algo começa a surgir em minha mente sobre situações impossíveis em que nos colocamos, seja por nossa escolha ou por imposição da realidade. Grato pela dica!

    Abraços.


    Sergio.

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