sexta-feira, 31 de agosto de 2007
BORBOLETAS E MACHADOS
Há uma linha de raciocínio interessante ligando um inseto ao Sagrada Feminino na Ilha de Creta, exposto no livro "O Corpo da Deusa" de Rachel Pollack (Ed. Rosa dos Tempos). Mas antes de tratarmos deste assunto, necessita-se pousar o olhar sobre o conceito do símbolo e do objeto para continuarmos.
Um dos prováveis abismos que separa o homo sapiens das outras espécies é sua capacidade abstrativa, de imaginar algo que ainda não existe. Esta qualidade nos capacita a prever situações perigosas ou vantajosas à 300.000 anos, e nos oferece subsídios para criar em nossa mente e depois no mundo material, toda a sorte de coisas, de residências a ferramentas, pontes, carros, aviões, naves espaciais.
E também arte.
E o que é arte?
Entendo como Arte toda a obra humana que vai além do princípio utilitarista, do mero servir para um propósito concreto, e que nos dá um conjunto de sensações diferentes daquilo que o uso do objeto propunha inicialmente.
Veja AQUI outras definições do que é a arte.
A arte no Neolítico
No período que os historiadores chamam de neolítico, o sapiens viveu o auge da explosão criativa humana, notadamente na Europa e Oriente Próximo. Ora, arte não tem definição precisa, mas é algo que faço em meu tempo livre (isso quando não possui função devocional ou laboral), onde reproduzo no físico algo que só a mente abstrata consegue abarcar.
É comum pensarmos nestas pessoas como seres rudes e incultos, mas locais como Lascaux, na França, provam que a arte não só lhe era familiar como também necessária. Nas cavernas francesas encontramos representações de animais de até quatro metros de altura! Para realizar tais obras, comparáveis ao meu ver as obras da Capela Sistina de Michelangelo, estas pessoas tinham que construir andaimes, dominar técnicas de pintura e ter senso estético apurado. Tinha que dispor de tempo e energia para buscar materiais, escolher o tema e a melhor superfície para pinta-la, e fazer o trabalho.
E a construção do símbolo é um componente principal da criação artística.
O Machado Duplo
E então entramos no tema principal do texto, que é a criação artística dos machados duplos cretenses. Podemos pensar neles como meros instrumentos de corte para trabalho ou mesmo em um eficaz instrumento de guerra dos tempos anteriores ao uso da pólvora, mas seu aspecto simbólico neste caso soa mais forte.
Onde hoje é a ilha de Creta fora o berço de uma grande civilização ocidental. Antes da invasão e/ou absorção pelos povos indo-europeus caçadores, supõe-se que viviam na região um povo adorador do Sagrada Feminino. Registros arqueológicos apontam que o local vivia em relativa prosperidade e era, de modo geral, pacífica devido a ausência de construções de defesa.
Comerciantes, mantinham contato com povos próximos no próprio Peloponeso e na Sicília. Sua cultura cai com a ocupação dos aqueus e a posterior invasão e/ou absorção dórica. Sua principal cidade fora Knossos.
Em diversos pontos da ilha encontraram-se machados duplos, mas ao contrário do senso comum, não há evidências mostrando que fossem armas de guerra. Aparentemente eram objetos dedicados a Deusas locais. Chamavam-se labrys. Ora, a palavra labrys, segundo a autora Rachel Pollack está relacionado a 'labia' ou lábios da vulva.
Nestes machados duplos, variáveis em tamanho, encontramos gravados imagens de borboletas que também se assemelham aos genitais femininos.
As Borboletas
Curiosamente a raiz grega para a palavra borboleta remete a palavra 'alma', ou psyche. Psiquê, para os gregos, foi uma Deusa que rumou ao submundo (inferno, inconsciente), local presidido por Hades e principalmente Perséfone. Esta Deusa (segundo Pollack, 'aquela que luta na escuridão') fora raptada por Hades com a permissão de Zeus, mas encontrou na situação seu próprio poder.
E não emergem as borboletas da morte quando saem de suas crisálidas?
Conexões
Deméter, senhora das plantas selvagens e mãe de Perséfone, só tomou conhecimento do rapto (ninguém tinha coragem de contar-lhe temendo a ira de Zeus) por intermédio de Hecate, senhora da Lua.
Observem a sutil conexão entre todos estas grandiosas Deusas! Não busquem entender, mas sentir. Leiam as histórias, procurem imaginar seus papéis segundo as mulheres modernas e suas lutas diárias. Aprendam com elas sobre seus mistérios e símbolos. E aqui retornamos ao princípio, como na espiral.
O símbolo é altamente plástico, como vimos. É preciso vivê-lo para compreende-lo. Apenas lhe apresentei as peças do quebra-cabeças cuja a imagem muda conforme o observador, a cultura e o tempo.
À propósito hoje, por exemplo, o labrys é um símbolo feminista. E o athame deixou de ser um mero punhal e é parte integrante de muitos rituais pagãos.
Maravilhoso, não?
Perguntem sempre, pesquisem mais, vivam a Religião!
Saúde, amizade, liberdade.
Sergio Thot (siga-me no Facebook!)
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