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domingo, 15 de julho de 2007

DO PERDÃO




Escrever sobre o perdão se revela tarefa difícil. O conceito do perdão para mim lembra algo relacionado a dieta, pois temos que restringir em nós o consumo do rancor viciante. Afinal, é tão conveniente o papel de vítima e beber deste fel tóxico. A vítima é passiva por concepção, incapaz de prever ou reagir diante das injúrias feitas pela vida. A vítima se encolhe no canto e chora.


O papel de vítimas já não cabe mais na Humanidade, pois temos, sempre tivemos, a necessidade de tomarmos conta de nossas vidas mesmo nos piores momentos. Temos a obrigação de nos defender das violências do mundo. Vitimismo também nos leva a ações como vingança quando surge a oportunidade. Nações inteiras entram e permanecem em guerras porque não sabem perdoar em coletivo coisas que aconteceram no passado, seja recente ou não.


Conflitos nascidos de razões históricas como os da Iugoslávia e Ruanda são provas de como o ato de não perdoar pode levar populações inteiras a mortes horríveis, onde vizinhos golpeiam uns aos outros com facões ou armas leves, invocando  dores de um passado que não viveram.


O que é perdoar?




Perdoar não é oferecer a outra face. Isto é ser vítima! Ser perdoador significa afirmar que também fomos e somos sujeitos na história. Que quando acontece com o outro é uma crise, mas conosco é um desastre. É neste ponto que somos tentados a dizer por conta de nossas supostas fraquezas - oh, o que fiz para merecer isto? Ao invés disto devemos ter posição ativa. Descobrir que somos o ator e autor de nossa história. E como tal temos nossa cota de responsabilidade. Nós não somos figurantes. Não somos parte do cenário ou paisagem. Não somos máquinas. Não somos objetos. Não somos indefesos. Não somos vítimas! É preciso perguntar sempre - qual meu papel nisso tudo? 


O poder do perdão não serve só para o outro, mas para nós também. E é em nós que ele atua de modo mais benigno. O perdão lava nossa alma, consertando nossas asas. O perdão nos torna mais leves. Sem ele sempre recordamos das injúrias. Recordar injúrias nos impede de raciocinar. Recordar, do termo recordis, lembrar com o coração, a morada dos sentimentos. Como viver bem se em nosso coração estamos afogados em dor?


Perdoando tiramos a violência somente do coração, não da lembrança. Precisamos da lembrança na mente para evitar novo erro. Afinal, quem não conhece a sua história esta fadado a cometer os mesmos erros. Mas é no coração que mora a fé, e nela depositamos nossa decisão de trabalhar no presente para alterar o futuro. 


Perdoar é aquilo que nos abre ao novo de novo, pois cada experiência é única, cada vida é especial. E atenção:  o mundo não pára para que possamos lamber as feridas, já que a fila continua andando. Até porque são poucos os que gostam de cessar seu caminhar para ouvir o rancor alheio por muito tempo. As pessoas que gostam de nós nos apoiam, mas rancor é um fardo por demais pesado para carregarmos, mesmo que estejamos em grupo. Logo somos convidados a deixar o peso inútil para trás... ou sair da fila.


É perceptível também o poder deste sentimento no corpo e na mente: nossa pele envelhece, os olhos afundam, órgãos internos sofrem. Surgem as doenças psicossomáticas, aquelas de origem emocional. É um suicídio lento.


Um veneno auto-induzido, sadicamente ministrado. Uma agulha que injetamos diariamente com substâncias que trazem de tudo para a nossa vida, menos bem-estar. 


Seu corpo é um templo, você já deve ter ouvido falar muitas vezes. Pois é... está na hora de limpar este prédio. Tire o lixo. Perdoar é faxinar o coração.


Saúde, amizade, liberdade.




Sergio Thot.

3 comentários:

  1. Curioso o ato de escrever...

    Nós nunca pensamos como as palavras ditas tempos atrás retornam como bumerangues a nossa realidade.

    Me recordei (re cordis) do sentimento de bem-estar que me tomou quando escrevi isto ainda em 2006.

    Hoje eu preciso perdoar certas pessoas e atitudes e carregava comigo este peso. Ao me reler, tomei consciência novamente daquilo que realmente importa.

    Agradeço ao Casal Divino, hoje e sempre.

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