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quarta-feira, 18 de julho de 2007

PERSÉFONE




Há no vale do Ena, um lago escondido no bosque, que o protege contra os ardentes raios do sol; o terreno úmido é coberto de flores, e a primavera reina ali perpetuamente.

Prosérpina lá se encontrava, brincando com suas companheiras, colhendo lírios e violetas, e enchendo com as flores seu cesto e seu avental, quando Plutão a viu, apaixonou-se por ela e raptou-a. Ela gritou, pedindo ajuda à mãe e as companheiras; e quando, apavorada, largou os cantos do avental e deixou cair as flores, sentiu, infantilmente, sua perda como um acréscimo ao seu sofrimento.

O raptor excitou os cavalos, chamando-os cada um por seu nome e soltando sobre suas cabeças e pescoços as rédeas cor-de-ferro. Quando chega ao Rio Cíano, e este se opôs a sua passagem, Plutão feriu a margem do rio com seu tridente, a terra abriu-se e deu-lhe passagem para o Tártaro.

Ceres procurou a filha por todo o mundo. Aurora, dos louros cabelos, ao sair pela manhã, e Hespéria, ao trazer as estrelas ao anoitecer, ainda a encontraram ocupada na procura. Tudo foi em vão, porém.

Afinal, cansada e triste, ela se sentou numa pedra e continuou sentada, durante nove dias e nove noites, ao ar livre, ao ar livre, à luz do sol e ao luar, e sob a chuva.

Da obra de Thomas Bulfinch, O Livro de Ouro da Mitologia

É fim de tarde de abril. Há dias não chove, e o cheiro de urina humana é forte. Com seus grandes ossos, Gaia brota da terra e é testemunha muda na Praça das Pedras, no Macedo. Mas é provável que você não more aqui, e não saiba que a tal praça é um lugar onde mulheres vindas da escola, professoras e alunas, eram violentadas. Não, se você não mora aqui não tem como saber. Muitos dos que moram aqui não sabem!

Não raro tiveram aqui outras Kores encontros escuros com seres violentos, e foram levadas à força. Mesmo com a reforma e iluminação da Praça das Pedras, ainda os jovens da escola próxima e mesmo adultos receiam em passar próximo das sombras das grandes pedras. Como Kore, temem o poder que se esconde anônimo no escuro, pairando negro como as asas da graúna. Tentam afastar da mente estes pensamentos, no temor que eles chamem para si aquilo que se esconde entre as fendas.

Mas, para algumas, isto não basta.

O cheiro de urina é forte, atestando que ali algo morreu da civilização. Demeter se recolhera e grande é sua dor. Sua ignorância fora roubada e não há no mundo descanso para sua cabeça. Todos os travesseiros são de pedra. Mãe e filha vagam juntas, mas cada uma em um mundo. Uma clama por justiça, outra por consolo. Não há mais como afastar da mente aquilo que já marca o corpo. As cicatrizes são como veios da rocha nua. E é na percepção disso que finalmente, embora separadas, mãe e filha se encontram. Pois há outras mães e outras filhas, e os olhos já podem ver melhor.

Mãe e filha se encontram em si mesmas. Encontram em si e se encontram na outra a força que precisavam. Encontram em si e nas outras mães e filhas os meios para que as sombras não mais cubram as bocas dos que tentam gritar.

Com tochas elas iluminam as fendas e algo foge para o interior da terra. A luz do conhecimento deve ficar acesa. Que todos saibam.

Elas lavam e secam umas as outras. É um batismo. Batismo de fogo e de água, pois foram e retornaram. Batismo de terra e ar, conquistando firmeza e conhecimentos. Não mais inocentes e ignorantes. Não mais virarão seus rostos, ou apagarão da mente os perigos. Renascidas, são guerreiras.

Se antes Ela fora levada, agora retorna só e com os próprios pés. Na escuridão, Ela viu dentro de si a luz. E ardeu, e sua chama é um farol para outros pela sombra sequestrada.
Ela move as rochas e os que assistiam se curvam diante delas. A Deusa consigo traz sob seu manto miríades de sequestrados pelo escuro, e todos são gratos. O resgate fora pago com amor e conhecimento. Na escuridão houve luz, e quem teve coragem e fé, seguiu.

É manhã, e o céu e a terra se unem num beijo molhado de chuva. Há cheiro de rosas no ar.



A música que segue agora me faz chorar sempre que ouço & canto junto. Canta comigo?


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